TCHIVINGUIRO + 1 "CAUSO" ... A VIAGEM INESQUECÍVEL! (1)
VAMOS A VER SE OS AMIGOS E COLEGAS AQUI CITADOS AINDA SE VÃO LEMBRAR DESTE "CAUSO".
Nas férias de Natal em Luanda, final do ano de 1965, encontrei-me com o saudoso amigo e colega Eliezer, para nós, Helezer Teixeira da Fonseca para outros, também conhecido por "Esgoia" graças a uns litros de chorume derramado pródigamente na sua cabeça, ainda na condição de bicho!
Nesse encontro, pedia-me o "Esgoia" que nas próximas férias de Março, em vez de eu voltar para casa de avião lhe fizesse o favor de trazer para Luanda o seu carro, um "Fusquinha" ou "Carocha" como lhe queiram chamar, que ele deixara em Sá da Bandeira à guarda de um amigo seu, quando foi chamado para ir servir o exército em outras bandas!
Tudo combinado e aceite da minha parte o pedido, voltando ao Tchivinguiro, aguardei ansiosamente pelo começo das férias na expectativa da realização de tão encantadora viagem, pensando em quem eu iria chamar para compartilhar essa aventura, já que seria conveniente ter companhia e partilhar despesas.
Logo de caras dois colegas se ofereceram para me acompanhar, o Fausto Costa que dividia comigo e com o "Velhote" Ferreira a "suite" no piso térreo, do lado direito de quem entrava no edifício do Internato e o outro colega o Rui Flora que foi logo perguntando se podia levar a sua irmã Selma, nessa viagem, ao que eu e o Fausto de bom gosto concordamos.
E os meses de Janeiro e Fevereiro de 1966, foram passando e nós, entre estudos, provas, peripécias, bailaricos, recomendações escritas do Eliezer sobre os cuidados a ter com o carro durante a viagem, partidas que agora se chamam de "apanhados" ou "pegadinhas" que íamos pregando aos colegas e a alguns professores desprevenidos e outras malandragens já esquecidas, lá íamos enfrentando o passar dos dias até ao inicio da tão aguardada viagem.
Uns dois dias antes, fomos a Sá da Bandeira fazer uma avaliação das condições da viatura, que segundo o "fiel depositário" da mesma, estava tudo em ordem com excepção dos pneus, por isso seria prudente viajarmos nas horas mais frescas do inicio da manhã e no final da tarde e à noite, de preferência, se a isso estivéssemos dispostos.
E foi assim, numa linda manhã, até madrugamos, deveriam ser umas sete horas, nos pusemos a caminho dispostos a enfrentar os mais de 1.100 Km que nos separavam da bela capital de Angola.
E lá fomos, rodando felizes, cantando e rindo, por uma estrada de asfalto que a poucos quilómetros depois de Sá da Bandeira deu lugar à estrada de chão que ainda estava a ser preparada para receber o asfalto. Alguns quilómetros rodados nessa estrada e tivemos o primeiro furo, encarado por nós com otimismo, pois estávamos prevenidos com várias caixas de remendos, daqueles que era preciso tocar fogo e pressionar com uma mini prensa para que ele colasse na câmara.
Desmontar o pneu também era canja, já estávamos sem o pneu de socorro, mas estávamos prevenidos com macaco e ferros "desmonta". Feito o reparo, colocada a roda no lugar lá retomamos a viagem alegres e descontraídos até que em menos de 100 metros rodados novo furo e assim se sucedeu nos próximos 35 Km, furo atrás de furo, até ao Hoque, onde paramos para saber de um borracheiro que nos pudesse socorrer com um outro pneu ou câmara de ar em melhores condições, já que nos 35 Km rodados contabilizamos a triste soma de 18 furos (juro, me lembro até hoje)! Não tinha, mas ganhamos de presente uma outra câmara, que apesar de ser de um tamanho maior do que o pneu que usávamos estava em melhores condições do que aquela que nós tínhamos e que de câmara já não tinha nada, de tantos remendos colados!
E lá seguimos viagem, passando pelo Hoque a caminho de Cacula onde nos afiançaram iriamos encontrar pneu e câmara, em segunda mão, mas em melhores condições de uso do que os nossos. Chegados a Cacula fomos direcionados para uma casa comercial, daquelas que existiam em Angola, que vendiam de tudo, menos a alma do dono, se não fosse bem conversado! Se lá não achássemos o que queríamos, não iriamos achar em mais lado nenhum, a não ser em Nova Lisboa... e não achamos!
Mas nós tínhamos um trunfo na manga e que trunfo...a bela Selma, com os seus lindos olhos e cabelos negros que despertou o instinto paternal do "tiozinho",dono da loja, que também tinha uma filha daquela idade estudando em Sá das Bandeira no colégio das madres, e que ele não deixaria de jeito nenhum enfrentar uma viagem daquelas com três malucos e uma moça a tiracolo, ao que a Selma entrando na conversa e declinado o nome da filha pelo "tiozinho", que sim eram colegas e amigas e que ela também estudava nas madres, o que não era mentira nenhuma o facto de estudar nas madres, só que nem tinha noção de quem era a dita cuja moça!
Quebrado o gelo e a desconfiança do senhorzinho, ganhamos um pneu, que ele já tinha aposentado de uso, da sua Peugeot e que apesar de ser de tamanho maior e estar em melhor estado do que o nosso, foi colocado no eixo traseiro do lado esquerdo do "Fusca" e após as despedidas e recusado o almoço pela necessidade que tínhamos de continuar viagem (o nosso anfitrião estava aguardando a filha que chegaria na carreira), nos despedimos agradecidos, deixando ficar muitos beijinhos da Selma para a sua colega e amiga...que infelizmente não dava para esperar por ela e lá fomos com o "Fusquinha" rodando e puxando a traseira para a esquerda, isto é, visto de frente, meio de viés!
E continuamos nós, até Caluquembe e já com estrada asfaltada, passamos por Caconda e Cuima até chegar a Nova Lisboa, quase final da tarde, com um forte cheiro a queimado que o "Fusquinha" ia soltando por onde passava!
Em Nova Lisboa, fomos diretos procurar dois colegas, que já lá estavam aguardando por nós, o Abílio Coutinho, que também atende por "Chibobo" e o Lino de Almeida que pelo aspecto circunspecto dos seus óculos ganhou a alcunha de "Teacher"! Graças a eles, já não sei se foi ao "Chibobo" ou ao "Teacher", conseguimos ser recebidos nas oficinas da Robert & Hudson, onde um, ou o Pai de um deles, tinha um ótimo relacionamento. Deixamos o "Fusquinha" na oficina, de um dia para o outro, para ver o que se poderia fazer..., segundo o gerente da oficina!
Procurada uma pensão, de acordo com a nossa condição de estudantes e relatados todos os dissabores sofridos para chegar até ali, na mira de um descontinho, fomos acomodados os irmãos num quarto e eu e o Fausto no outro.
Banho tomado, corremos para a esplanada do Ruacaná onde os nossos colegas já nos esperavam, para saborearmos um belo bife com todos, a primeira refeição a sério que fizemos desde que saímos de Sá da Bandeira, tudo muito bem regado com o tradicional "fino" da Cuca, combinando, de antemão, que no dia seguinte lá estaríamos de manhã cedo na Robert & Hudson para saber do estado de saúde do nosso "Fusca"!
As noticias não eram boas! Teriam que substituir o prato do eixo, do lado onde rodara aquele pneu, maior do que os outros e de quebra iriam substituir o pneu por um outro de tamanho de jante recomendado e que estivesse em boas condições para continuarmos viagem! Quanto nos iria custar? Bom, sabe-se lá, respondeu o gerente, depois nós iriamos saber quando o serviço estivesse terminado...e aí nós entramos em pânico! Com a fama de careira que tinha a Robert & Hudson íamos ficar depenados, sujeitos à humilhação de um ou mais empréstimos, se conseguíssemos, para continuar viagem!
Para nosso desespero fomos aconselhados a sair da oficina já que o trabalho ia demorar, aproveitar para dar uma volta, visitar os amigos e que voltássemos após o almoço para retirar o carro.
Vocês conhecem a estória daquele judeu que não dormia com receio de que os seus credores não pagassem o que lhe deviam? Pois é, nós estávamos assim também, só que em vez de não dormirmos não bebemos durante toda a manhã e mal almoçamos sem saber onde iriamos arranjar dinheiro para pagar à Robert & Hudson e continuar viagem ainda com algum dinheiro no bolso!
E como o "causo" vai longo e a narrativa ainda vai a meio da viagem, eu também vou parar por aqui, a meio, e continuar o "causo" amanhã, causo ainda haja alguém interessado em ler e saber o que aconteceu até chegarmos a Luanda!
Aquele abraço!